Até se encontrar na arquitetura, ela já foi atleta de natação e trabalhou na organização de eventos, dentre outras atividades. Na Dávila há 15 anos, Camila Batista é uma das profissionais mais experientes do escritório. Hoje, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, a arquiteta compartilha algumas de suas experiências, posicionamentos e ideias, em especial quanto ao papel feminino no segmento.

Para você, como aconteceu ser mulher e optar pela arquitetura? Existe alguma correlação?
Acho que quando fiz essa escolha, o entendimento talvez não tenha sido racional, mas a arquitetura tem um glamour, que não é necessariamente feminino, mas pode ser. Eu nunca fui aquela pessoa do tipo ‘nasci para ser arquiteta’, que ficava desenhando. Não era uma pessoa que já sabia o que queria fazer, mas eu gostava da mistura de humanas e exatas. Sempre fui uma pessoa da comunicação, sempre ‘falei’ muito. E o ‘arquitetar’, essa palavra, sempre foi marcante para mim. Querendo ou não, eu assumo esse papel em todas as instâncias da minha vida: em minha casa, enquanto mulher, enquanto mãe e, é claro, também em meu trabalho, no qual sempre acabo me envolvendo com coordenação. De alguma forma, a dimensão feminina deste glamour que envolve a arquitetura tem a ver com a maternidade. A condição de ser mãe tem muito a ver com o termo, com a ação de ‘arquitetar’. Na minha visão, talvez seja por aí, pelo significado, que exista uma conexão especial entre a mulher e a arquitetura.

 

Em que medida a arquitetura se conecta com a maternidade e com outras vivências?
Acho que tem vários aspectos. A relação entre a arquitetura e a maternidade tem a ver com o cuidar, com o planejar, dar um norte, dar a condição de acontecer. É como se a arquitetura e a maternidade fossem ‘lugares’ que abrigam, juntam as coisas e dão a direção. Então acho que de todas as funções envolvidas na construção, a arquitetura é a que mais sintoniza com esse papel de diálogo entre as partes, de oferecer a direção. Eu sempre me vi muito neste papel de buscar o entendimento das e entre as coisas, do que em atividades específicas. Naturalmente eu procurei e fui me voltando aos caminhos relacionados a equipes, coordenação, a trabalhar com outras pessoas. Antes da arquitetura, eu atuei por um tempo com cerimonial de festas. Acho que foi a minha primeira experiência com compatibilização de pessoas, ideias, especialidades. Vejo muita similaridade entre as atividades de compatibilização na organização de festas e em projetos de arquitetura e urbanismo. Em relação às festas, era importante ter muita organização, verificar os insumos, controlar fornecedores, e por aí vai. Como exemplo, quando conduzi um pequeno escritório de arquitetura, no início da carreira, eu aproveitei a minha vivência no cerimonial no desenvolvimento de projetos. O recurso a checklists para a verificação de erros e falhas foi um dos exemplos de hábitos que trouxe da experiência anterior. Então consigo visualizar conexões entre as coisas, entre áreas, temas e experiências diferentes. Por isso penso que ainda que eu pudesse ter optado por outros caminhos profissionais, fiz uma excelente escolha. A arquitetura é o mais legal. Para mim, é um assunto fascinante.

 

No segmento da arquitetura, mais do que os homens, você vê que a mulher tem esse papel, esse lugar para a conciliação, voltado a compatibilizar e congregar?
Acho que quando assuntos mais delicados estão em pauta, é comum a mulher conseguir se aproximar, abordar a questão sem que seja percebido como uma intervenção agressiva pelas outras partes. Mas também acho que se trata mais de uma estratégia, que é claro, depende muito do contexto, dos interlocutores. No fundo, tem mais ver com o perfil da pessoa do que o fato de ser homem ou mulher. Dependendo do contexto de negociação, pode ajudar que seja feito por uma mulher, mas é uma ‘faca de dois gumes’. Muitas vezes, sentimos que nossas intervenções são relativizadas ou até desconsideradas por terem partido de uma mulher. Em alguns contextos, há vezes em que me sinto mais confortável sendo acompanhada por um profissional do sexo masculino que me apresente, que prepare o terreno. Não é muito fácil sermos ouvidas logo de início. Depois, eu assumo e sigo sozinha, eu me garanto. Ainda assim, no que diz respeito à esfera das decisões empresariais, é um ambiente, digamos, 90% masculino. Isto parece estar mudando cada vez mais, com a chegada de novas gerações ao mercado, com um aumento na receptividade a profissionais de qualquer sexo. Por enquanto, precisamos atuar ‘supermulheres’ para realmente sermos ouvidas e entendidas. Isto inclui usar estratégias para alcançarmos o respeito profissional. Uma das técnicas que costumo utilizar para a argumentação é recorrer ao desenho como forma de expressar ideias. O desenho parece criar um ‘campo neutro’, facilitando a dissociação da discussão técnica de qualquer questão de gênero.

Como você vê a atuação das mulheres na concepção da arquitetura predial, incluindo a produzida para o mercado imobiliário?
Vejo que as mulheres, em termos numéricos, ocupam menos espaço no que diz respeito à concepção, ao design de projetos prediais, atuando mais fortemente em outros papéis, ou concebendo projetos de menor escala. A Dávila é um escritório onde atuam muitas e muitas mulheres. Mas aqui mesmo, os Masters, os criadores dos projetos em geral são homens, embora eu não esteja dizendo que não haja esse lugar para nós no escritório. Também não entendo que não haja potencial, é, simplesmente, um lugar que nós não ocupamos. Não observo muitas mulheres querendo ou se movimentando para ocupar este espaço. Pode ser uma questão geracional, ou cultural. Em relação a este último aspecto, pode ser que a mulher tenha mais dificuldade em dividir, de forma mais estanque, família e trabalho. Sem querer generalizar, as mulheres têm mais dificuldade nesta separação, a partir de suas responsabilidades em relação à casa e aos filhos, e isto pode dificultar seu envolvimento na liderança do design. Eu pessoalmente nunca procurei esse lugar, mesmo porque acho que o que eu faço melhor está em outro segmento. Ao mesmo tempo, por não ter procurado, penso que posso ter perdido a oportunidade de, justamente, me desenvolver neste sentido. O fato é que não temos muitas mulheres liderando a concepção criativa de projetos, isto no mundo como um todo.

 

Uma arquiteta que você admira?
Para citar uma pessoa apenas, a Arquiteta Ana de Paula Fonseca, nossa colega aqui da Dávila. Admiro demais a Ana, porque ela ‘chega chegando’ em qualquer contexto necessário. Ela participa de reuniões e interage com qualquer profissional do meio com uma liderança e autoridade que nos orgulha como mulheres. A questão de representatividade feminina, inclusive em empresas, órgãos de classe ou colegiados, como faz a Ana de Paula, é importante para que o mercado e a sociedade se ‘acostumem’ com a presença e o valor da atuação das mulheres.

 

Com o desenvolvimento tecnológico, inclusive de máquinas, equipamentos e ferramentas, você acredita que a mulher possa ocupar um maior espaço, inclusive na gestão de empresas e instituições do setor da construção civil, muitas vezes associado a um trabalho ‘pesado’, relacionado à ‘força bruta’?
Talvez, mas não obrigatoriamente. Vejo que na construção civil são poucas as atividades que realmente demandem uma ‘força bruta’. É mais uma convenção cultural de que tais e tais atividades são para os homens enquanto outras, são para as mulheres. Creio que a tecnologia possa abrir espaço para a atuação feminina, em algum nível dando a elas o acesso a muitas atividades que antes eram exclusivas do gênero masculino. Ou seja, pode ser que em especial as tecnologias de comunicação e dados, deem mais visibilidade às mulheres e seus talentos e capacidades. Assim, os bons resultados alcançados por muitas mulheres podem ser evidenciados e, do ponto de vista das empresas, interessa pouco ou nada a origem dos resultados, desde que os objetivos sejam alcançados. Por outro lado, acho que o movimento de entendimento sobre o papel da mulher no mercado deve andar junto com o investimento em tecnologia, para poder embasar o atingimento dos resultados, para que eles possam realmente acontecer. A transformação não é só uma questão de veículo, mas envolve a transformação da sociedade e da própria mulher, que deve buscar, entender e se movimentar para ocupar os lugares que podem ocupar, de uma forma natural.

 

A partir da sua experiência, que recado você daria para uma garota que está iniciando no mercado profissional, inclusive o da arquitetura?
Eu citaria duas ideias que servem para as meninas, mas também os meninos, que têm a ver com ‘oportunidade’. São coisas que aprendi há muito tempo, mas que me norteiam até hoje. Uma das frases eu ouvi do meu técnico de natação, quando eu era adolescente: “A oportunidade só aparece para quem está preparado”. Muitas vezes não sabemos, não temos certeza sobre exatamente qual caminho seguir, porque são muitas as variáveis, mas sentimos que podemos nos preparar. Trata-se de um incentivo, muito sensato, para que nos preparemos, nos capacitemos, de maneira a estarmos prontos para quando as oportunidades aparecerem. E as oportunidades sempre aparecem. Outra ideia aprendi com uma professora da faculdade que dizia que “A gente só vê o que a gente sabe”. Antes de cursar Arquitetura, eu andava pela cidade e, obviamente, eu via a cidade. Hoje, a partir do meu aprendizado, o que vejo são outras questões, muito mais profundas. Por trás da recomendação de minha professora, está a busca pelo conhecimento, pelo saber: se você enxerga longe, a oportunidade aparece para você.